"Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia. Pois o triunfo pertence a quem se atreve... a vida é 'muito', para ser insignificante". Charles Chaplin.



sábado, 18 de março de 2017

Educação: Caminho Que se Faz ao Caminhar

Uma introdução por Marcia Tiburi

Refletir sobre a questão da educação é tarefa de todo educador. Educadores, por sua vez, são todos aqueles que se ocupam — e se preocupam — com a formação objetiva e subjetiva de crianças, jovens e adultos. A educação objetiva envolve o aprendizado de técnicas ou outros conteúdos específicos. O currículo básico das áreas de conhecimento usados nas escolas de ensino fundamental e médio e nas universidades, bem como os aprendizados que permitem a alguém adquirir conhecimentos na direção daquilo que entendemos por profissão, fazem parte do que podemos chamar de educação objetiva. Em seu sentido amplo, essa educação pode ou não vir da escola, do ensino formal. No mundo da vida, a aprendizagem de atividades básicas, profissionais ou não, os serviços e a produção de objetos que nos inserem no mundo do trabalho remunerado ou não (lembremos do trabalho doméstico feito, sobretudo, por mulheres e não remunerado que parece natural para quem não conhece suas dificuldades) fazem parte desse campo da objetividade da educação. O que podemos aprender a fazer mesmo que fora das instituições de ensino, por meio da experiência direta, é educação objetiva.
A educação subjetiva por sua vez, envolve o acesso à esfera simbólica. Nela está em jogo a experiência com as linguagens, a experiência com valores éticos e políticos, bem como estéticos. Por meio da educação subjetiva, se formam mentalidades, visões de mundo e capacidades individuais ou coletivas relacionadas ao pensamento. A valorização da própria educação, da arte, da cultura, da ciência, da pesquisa, da própria ética e da política, bem como do direito e da ideia de humanidade, fazem parte desse âmbito. Aprendemos a amar a educação quando tivemos uma educação que nos fez valorizá-la e saber de sua importância em nossas vidas e na vida de todos.
Educadores
Pais e familiares são educadores no âmbito da instituição familiar, professores são educadores no âmbito da instituição escolar. No entanto, sabemos que a educação se dá ao longo da vida e que, de certo modo, todos somos educadores uns dos outros, porque ensinamos e aprendemos formal ou informalmente. Aprendemos objetiva e subjetivamente.
É evidente que o próprio educador não deve esquecer de si mesmo no processo de educar. Alguém que educa outros cidadãos em uma sociedade qualquer, necessariamente educa a si mesmo. Educar nos surge então como uma ação que realizamos pelos outros e que causa efeitos em nós mesmos. Isso quer dizer que educação é uma questão de todos e, ao mesmo tempo, de cada um. E que ela é uma afetividade e uma performatividade, uma ação que produz efeitos em todos os envolvidos.
Isso quer dizer também que, na esfera da educação, somos todos influenciados e afetados uns pelos outros. Se as famílias introduzem seus partipantes em suas próprias tradições, para que cada um compreenda sua própria origem, os valores éticos, políticos, estéticos e religiosos que orientam uma forma de ser, à escola cabe educar para a convivência com a diferença, para o outro, para um mundo mais vasto do que o mundo mais íntimo da família. É verdade que essas tarefas se confundem, há famílias que tentam expandir a visão de mundo de seus filhos, e há escolas que nem sempre projetam essa abertura, preferindo sustentar apenas a tradição e o já conhecido que não deve ser descartado, devido à sua importância para a experiência em geral.
Todo projeto de educação implica questões de ética e política, implica comprensão quanto ao conhecido e ao desconhecido.
Ética e Educação
Nesse ponto, podemos notar que não basta entender o ser da própria educação, mas é preciso também entender o que a educação pode ser, e qual é o seu dever-ser enquanto esse “dever-ser” define o que as pessoas — que são o fim último da educação — podem ser a partir de um contato com ela.
O dever-ser da educação implica a ética inerente a todo projeto de educação. Nessa linha, seja qual for, para que um projeto de educação se oriente pela ética, ele deve necessariamente levar à capacidade de compreensão e discernimento e, a partir daí, ajudar pessoas e grupos a criar soluções para os mais diversos problemas teóricos e práticos nos mais diversos campos.
No entanto, em um sentido geral, a educação vai muito mal entre nós tanto no que concerne à formação objetiva quanto à subjetiva. Perdemos a capacidade de compreender e discernir que nos permitia chegar ao esclarecimento sobre a vida, sobre a sociedade, sobre as instituições e sobre nós mesmos. É fácil perceber a falta de razoabilidade e até mesmo de racionalidade na expressão pública, sem falar do mal estar afetivo tantas vezes descontrolado nos contextos onde deveria haver convivência civilizada e decoro. As opiniões sem sentido ou cheias de afetos mal resolvidos, bem como a comunicação violenta entre as pessoas tem produzido uma lacuna ética em sociedade que bem poderia ser resolvida com um projeto de educação que garantisse a formação subjetiva. Talvez o grande papel da educação sempre tenha sido ético: a construção da cidadania, das pessoas como sujeitos de direitos e senso de sociedade.
Educar para quê?
Diante da precariedade das condições do ensino público e do ensino privado, cada vez mais voltados ao princípio do desempenho, da competição, nos vemos como sujeitos perdidos e desorientados no vasto mundo das ilusões individualistas e, meio que sem perceber, deixamos de lado o caráter eminentemente filosófico do ato de educar e de educar-se.
A função essencial desse caráter diz respeito ao “ser humano” que gostaríamos de ser por meio da experiência com a vida da qual a educação é parte fundamental. Não se trata apenas do que queremos “parecer”, questão que se coloca há muito tempo e que levou à formulação de termos tais como “sociedade do espetáculo”. Categorias tais como ser e aparecer podem apresentar certo desgaste nos dias atuais, mas ainda nos ajudam a refletir sobre o que experimentamos atualmente em termos sociais. Quando falamos da questão do ser, vale a pena colocar também o antigo problema do “ter” em uma sociedade baseada em valores econômicos ainda insuficientemente questionados.
Por tudo isso é que podemos recolocar a pergunta pelo papel da educação no cenário atual, em meio ao autoritarismo, ao machismo, ao racismo e ao culto generalizado da ignorância. Para que educar? As condições nas quais a educação seria possível entre nós precisam ser compreendidas. Ao mesmo tempo, é mais que necessário, é realmente urgente, que se defenda a existência e a continuidade da educação sob as condições mais adversas. Deixar a educação à deriva, não lutar nem trabalhar por ela, é favorecer o seu extermínio e, com ela, o fim da própria condição humana que, em tudo, depende da educação.
Hoje, a educação é um direito ameaçado. Ao mesmo tempo, temos que ter em mente que ela é também método: caminho que se faz ao caminhar.
Em tempos mais amenos, a educação é sustentáculo da sociedade, em tempos sombrios, a educação é arma da resistência. Em qualquer dos casos, é por meio dela que poderemos sempre reinventar a vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário